Next Monday Haven

Este o trabalho em que estive mergulhado por mais tempo e, numa perspectiva cronológica, veio depois das angústias de 70x7. Dalí nasceu uma necessidade de louvor, de elogio… uma forma de representar a escolha certa de reconstrução. Fruto de um desejo de expressão, de vida, de amor, de conquista. Uma celebração nesse sentido.

E demandou tempo porque nasceu como “Thereafter”, justamente na transição de sentimentos. Edição que acompanhou toda uma história, um embrião lá em 2015… Passou por Leo Divendal em The Diary Mysteries…

“Em água - minha ausência em aridez. Uma flor. Uma flor que define o ar. No poço mais fundo, teu corpo é estopim.” — Paul Auster

A sua edição mais “pronta” - o então Thereafter teve quase 20 versões de “bonecos” impressos - ficou descansando, na medida em que senti a necessidade de um segundo volume, que chamei, por um tempo, de Windfall (com a proposta de um elogio sublime àquela que me acompanha - personagem que comentei no post Inventário -, e à nossa relação).

Coisas que não controlamos na edição de um trabalho ou, ainda melhor, na busca por imagens e o fazer das imagens e suas narrativas, entendimentos, escolhas… Ao que os trabalhos, ambos como livros de autor, se unem, num volume único, em Next Monday Haven.

Não é um livro publicado, ainda. Sua versão final, impressa em fine art e encadernado artesanalmente traz a seguinte “ficha técnica”:

next monday haven é um trabalho concluído em outubro de 2019, depois de alguns anos de processo, edições, pesquisas e busca por imagens, em acervo, no mundo. busca a representação de duas catedrais, em glória, e se propõe a celebrar a vida, e seu ciclo. seu processo passou por outros dois projetos, thereafter e windfall, mas que, por fim, se apresentam em uma única obra. este dummie traz um 'preâmbulo' com imagens de carbono e 70x7 - o primeiro de '14, nunca publicado, e o segundo lançado em 2016 -, e que integram esta narrativa.

E no tempo oportuno ganhará seu espaço…

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Inventário 2 - Leo Divendal

Esse processo de inventário me leva a olhar para os meus trabalhos, de algum modo finalizados, até aqui. Mas neste mesmo processo não teria como não falar, também, de uma figura incrível que cruzou este meu pretenso caminho por imagens: Leo Divendal.

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Figura incrível e com uma capacidade única de condução e deslocamento dentro de um processo criativo. Um movimento muito potente no fazer. E isso muito particularmente não na perspetiva de se chegar um resultado, mas entender o processo, como um todo.

Até aqui foram quatro desses encontros, no Brasil e o último uma residência em Amsterdam, em que os dias parecem ter muito mais do que suas horas contadas, onde um turbilhão é acelerado a cada instante, onde invariavalemente uma catarse se faz presente. Thanks, Leo.

Não há perspectiva de resultado, mas foram eventos que contribuíram na finalização, se assim posso dizer, de alguns dos meus trabalhos, ou apenas deixaram um legado interior, representado, claro, por imagens, pesquisas, textos, bonecos, que certamente voltarão em algum momento de caminho por imagens, como chamei acima.

E então, inventariando:

2014, The Diary Mysteries - the meaning of shadow

[…]

Consider the diary-frames mentally as an obscure field of darkness, to take distance, to create emptiness, to step in the black field of the shadow.

Let me go deeper into this ‘field of the shadow’.

The diary is a way to reflect almost directly on the actual moment of your existence.

That’s the mysterious natural moment of talking choices, be active, feeling directly everything, desire, being afraid, nervous, excited.

All this is happening also in the moment of taking a picture, or others said: the making of an image is part of this actual moment.

The diary is an almost direct reflection on this moment, the day and night.

Suppose you put your daily pictures in the diary, then they reflect this day.

But what is present in there, in which way the pictures are imagining your actuality?

[…] @ Leo Divendal

Isso tudo quando eu estava imerso nas cenas de 70x7… e que seria finalizado meses depois.

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2016, Nomads & Shelters

[…]

’we are nomads....’ lost traces.... separated... displaced... fugitives... homeless... on the run... emigration... exil...' My idea behind NOMADS & SHELTERS is that people are on drift all over, because of circumstances, histories, personal experiences, displacements... and in any form, on any level they try do shelter themselves.

[…] @Leo Divendal

Não quero chamar de resultado, mas aqueles dias me conduziram a Call it True. Dentre imagens e textos, que compòe um caderno de processo e uma série de prints, um poema de Mia Couto se fez parte de tudo que vivi naqueles dias:

Seios e anseios

As vezes que morri

boca derramada entre os teus seios 

todas essas vezes 

não me deram luto 

porque, de mim, eu em ti nascia. 

Todos esses abismos, 

meu amor, 

não me deram regresso.

Depois de ti,

não há caminhos. 

Porque eu nasci 

antes de haver vida, 

depois de tu chegares.

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2018, Photo-Diary-Archive

Outro momento incrível no segundo semestre de 2018, em que eu estava vivenciando algo batante intenso, representado pela falta de um espaço físico meu… um sufocamento em certa medida… angústia e desejo de liberdade. Rituais, rotinas, estruturas…

Qual a busca?

Daí surgiu um trabalho de investigação territorial por meio de imagens, sempre num mesmo roteiro espacial e respeitando repetições (como um mecanismo particular - 10 noites, 10 rolos 35mm)… e um texto, meu, que me serviu a arrancar algumas angústias, num passeio muito existencialista - O rio flutuando em coexistência (e que em algum momento incluirei neste espaço).

river, carta p/ r.

Nada é real. Ela ainda me seduz e arrisco existir, ainda. São as nossas grades, agora.                            Já não mais existo.

Nada é real. Ela ainda me seduz e arrisco existir, ainda. São as nossas grades, agora. Já não mais existo.

2020, Our Deserted Times

[…]

Our time is a deserted one, not knowing where you are, one big improvisation to find your way, your destiny. In a difficult world, identity, country, culture, minorities, climate change, happiness…

Can you relate to this time, our time? How to express in your view and visual creations.

[…] @Leo Divendal

Em algum lugar de Amsterdam escrevi…

I’m in a crazy café – amazing place… children are running and playing everywhere… lots of noise…

In front of me a lady… actually an old woman – she is so amazing, so beautiful – white hairs, blue eyes, a soft smile… she is taking her coffee… I’d love to shoot and make a portrait of her… she is my father at the moment and I do not have such intimacy…

Trust me…

It is…

Ttudo ainda muito recente (e estou aqui considerando um vácuo no tempo desde março deste ano). Volto ao assunto em algum post mais adiante… Caderno de Circunstâncias, Obsessões e Elogios.

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Thanks very much, my dear Leo.

70x7

Tenho pra mim, de modo muito presente e marcante, que a fotografia ocupa um espaço de expressão, poesia, entendimento, elogio ou cura, um mecanismo de abordagem frente às catedrais propostas pela vida.

Dentre esses marcos, surgiu 70x7, um trabalho lançado em dezembro de 2016, depois de um longo tempo de edição, de um lado, e, de outro, o próprio entendimento da experiência que se pretende construir. Em conexão com aquela vivida em dor.

Trago o folder preparado à época e por conta do lançamento do trabalho, com um texto de apresentação.

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stil… @paolavianna (para exposição DOKA, em 2019)

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Carbono

Carbono é meu primeiro trabalho como livro de autor, com edição finalizada em 2014.

Como elemento (C) presente em todo ser, tem na vida, e todo seu entorno, um pano de fundo narrativo. Uma abordagem de tempo - não chronos, mas enquanto oportunidade - também se coloca no trabalho. Aí se propõe certo movimento e passagem, ruídos e busca por entendimentos, tempo de encerrar histórias e construir novos relacionamentos, o amor pelos legados…

Além de 28 reproduções de fotografias, o livro traz dois textos, aqui transcritos:

 “Há tempo de nascer, e tempo de morrer;

tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou.

Tempo de matar, e tempo de curar;

tempo de derrubar, e tempo de edificar.

Tempo de chorar, e tempo de rir;

tempo de prantear, e tempo de dançar.

Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras;

tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar.

Tempo de buscar, e tempo de perder;

tempo de guardar, e tempo de lançar fora.

Tempo de rasgar, e tempo de coser;

tempo de estar calado, e tempo de falar.

Tempo de amar, e tempo de odiar;

tempo de guerra, e tempo de paz.”

Eclesiastes, 3 - Velho Testamento

 E:

“Não era em vão que ele dizia existir na vida apenas uma felicidade indiscutível: viver para outrem.”

Lev Tolstói

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Livro artesanal, incluindo impressão e encadernação. Não publicado.

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Inventário

1.

E então surgiu a proposta de um inventário.

E parti em busca de um espaço sem limites ou parâmetros, uma caixa imaginária, vazia, em que passo a incluir elementos (e memórias) tais como “você!”, percursos, autoral, retrospecto, perspectivas, referências, questões, interesses, ressignificados.

2.

Ao que “resgatei” e subi um site. E junto, um blog. Parte da caixa.

3.

E nos meus pensamentos sobre o espaço não delimitado, duas figuras logo surgiram. Meus dois filhos e a diferença de dez anos entre eles.

Em relação ao primeiro, uma pequena digital para registrar seu crescimento, na medida em que eu não tinha o protagonismo das imagens, até então. E com essa, me vi em Tallinn, em agosto de 2007. Poeticamente, lá tudo começou.

Quanto à segunda, nasceu no dia em que me vi de frente com a fotografia autoral. Um outro momento, nesse sentido. Agosto de 2012. Ali tomou fôlego. Por circunstâncias naturais, apareci na semana seguinte.

Essas duas figuras se transformam em personagens, em muitas das minhas películas. E assumem meu entorno, meus interesses, buscas e desejos narrativos e de alguma construção por imagens.

4.

Tenho, sim, uma questão de projeção poética ao narrar a imagem que fiz naquela cidade, uma, uma que tenho na memória, ao final de uma viagem de trabalho a Helsinki, em que tomei um ferryboat numa manhã, não das mais frias, depois de uma noite intensa, e passei algumas horas na capital da Estônia. Não foi tão leve levantar o corpo de uma cama de hotel, quando o telefone tocou. Poucas horas. Mas não foi em vão.

E aí que falo dessa busca por um equilíbrio, por algumas descobertas. Hoje demanda muito mais. Mas também é bastante mais amplo.

5.

E, sim, uma outra personagem protagoniza. Volto a 2009. Ficção e realidades da vida que se misturam. E com ela, a personagem, exploro outras camadas, relações, descobertas, desejos. Elogio à cumplicidade, na busca pelo belo, no enredo de uma ou mais de suas vertentes.

6.

Toda essa cena se dá, hoje, no caminhar do processo analógico. Entra nesse meu tabuleiro de equilíbrio. De velocidade, demanda e quantidades já me chegam outros universos reais. Nesse jogo de buscas por algum entendimento é onde tenho meu encanto. Mas acima de tudo, vejo nesse processo vida e algo intensamente conectado com as catedrais que passam pela minha vida, e que, sem controle, vão para as imagens, edições, momentos. Aí estão os gritos. Assim tem sido e assim, tenho muito claro, por agora, é o que me interessa ser. Não há como desvincular os eventos da minha ficção (que pulsa e respira) do meu universo de criação, de poesia.

7.

Essas catedrais passam por elogios, dores, amores, tensões, rupturas, relações, corpo, escudo, crises, sensualidade, vida, sentimento, morte. Eterno. Eterno catálogo vital.

8.

Sigo aqui com uns elementos. Um personagem - que nem sei se é real! - com quem estive algumas vezes, num processo muito intenso e catártico (sempre), Leo Divendal (NE). Pela primeira vez em 2014 e então a cada dois anos, alguns dias juntos, sendo a última vez logo em janeiro deste ano. São residências muito intensas e que lidam muito mais com o processo, a maturidade, pesquisa e busca, do que propriamente os resultados. É um pilar, uma referência para meu trabalho, em que do imediatismo quero não pouca distância.

Personagem aquele, que me foi apresentado por outro, Marcelo Greco, que assume, de igual modo, um pilar aí nisso tudo. Nesse processo de orientação, que já leva alguns anos, me fez percorrer o olhar, a pesquisa, o interesse, a linguagem e as referências. Várias perspectivas. Generosidade única.

E a identificação nesse universo todo é incrível, pelo que dois outros nomes ainda surgem. Machiel Botman, com quem tive a incrível experiência de tomar umas taças de vinho e jantar, depois de uma visita ao seu atelier, perto de Amsterdam, em 2016. Além de colecionar seus livros e algumas fotos. Referência primeira para meu trabalho, sua busca, o entorno e a sua linguagem. E Michael Ackerman que, até aqui, somente conheço por meio de seus livros e um par de fotos na parede. Suas questões com a fotografia e seus trabalhos me conectam enormemente.

9.

E essa caixa inventário já não tão imaginária, que vai sendo ocupada e criada, na verdade, com esses elementos colocados em palavras logo acima, também acolhe:

Carbono (2014), 70x7 (2016), Call it True (2016), Fem Crossway (2017), River, carta p/ r. (2018), Next Monday Haven (2019).

E por ai: Caderno de Circunstâncias, Obsessões e Elogios (2020) e 1195 143 + Dance (2020), ainda não guardados.

10.

Volto.